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Imagem De Dra. Paola Torres E A Dra. Catherine Moura, CEO Da Abrale, No Estúdio D

Fórum TJCC Norte e Nordeste aborda as disparidades sociais, culturais e econômicas na atenção oncológica

Veja os destaques da terceira edição do evento

Por Natália Mancini e Tatiane Mota

Nos dias 10 e 11 de novembro, aconteceu o 3º Fórum Todos Juntos Contra o Câncer Norte e Nordeste, uma iniciativa do Movimento TJCC em parceria com a Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), Instituto Roda da Vida e Fundação Maria Carvalho Santos.

Importantes assuntos, com foco na atenção oncológica em ambas as regiões, foram abordados ao longo destes dois dias de debates. Veja aqui alguns dos principais destaques.

Dia 10

Na abertura, com o tema Pensamento global, mas ação local – Desenvolvendo programas para prevenção e controle do câncer no Norte e Nordeste, Paola Torres, médica onco-hematologista e presidente do Instituto Roda da Vida, falou sobre os problemas enfrentados pelos pacientes.

“Nós sabemos que são muitos os desafios em relação ao diagnóstico e tratamento do paciente no Norte e Nordeste. Precisamos desse empenho para desenvolver a região Norte e isso também vai impactar no Nordeste, porque recebemos muitos pacientes que vêm se tratar no Ceará”.

A prevenção do câncer também foi debatida na primeira mesa do evento, pela Deputada Silvia Cristina.

“A pandemia fez com que pelo menos 30% dos brasileiros se afastassem do sistema de saúde e no Norte e Nordeste não foi diferente. Precisamos avançar na ciência, na pesquisa e garantir que os tratamentos de ponta estejam disponíveis. O tratamento oncológico é demorado, são muitas consultas, exames, sessões de quimioterapia e, realmente, para quem ganha um salário mínimo, é muito complicado. Nós temos que levar o atendimento até as pessoas e chegar nas comunidades mais distantes”, salientou.

Itamar Bento Claro, tecnologista do Instituto Nacional de Câncer do Ministério da Saúde, trouxe dados sobre o câncer de colo de útero no Brasil, e as complicações do diagnóstico tardio. Atualmente, a doença ocupa a primeira posição de casos na região Norte e segunda, no Nordeste.

“Esses dados mostram a magnitude desse câncer como importante área de atuação de saúde pública no país, principalmente no Norte e Nordeste. Desde 1979, verificamos que em ambas as regiões há uma tendência de elevação das taxas de mortalidade por câncer do colo do útero, e no Norte é ainda mais grave”.

Dentre os motivos para tais problemáticas está a falta de investimento financeiro, de acordo com Catherine Moura, médica sanitarista e CEO da Abrale.

“Entre as regiões Sul e Sudeste, e Norte e Nordeste, tem uma grande disparidade econômica e isso impacta na saúde. Há uma correlação direta entre os piores resultados de diagnóstico e tratamento em estados com maior desigualdade, menor desenvolvimento humano e menor capacidade médica instalada. Os estados com maior estimativa de sobrevida apresentam maior score de acesso à saúde”, pontuou.

No painel Diversidade e pluralidade na atenção oncológica, os especialistas também trouxeram as disparidades no acesso à saúde, por questões sociais e culturais.

“Entendemos a saúde, no nosso país, como um direito social, um direito humano. Mas é preciso ampliar o que é o conceito de diversidade e inclusão. É preciso ver o sujeito como um todo”, disse Valéria Mendonça, administradora hospitalar e ativista social dos movimentos de saúde, mulheres, LGBTQIA+ e direitos humanos.

E quando se fala sobre o acesso à saúde para todos, é essencial entender como mulheres e homens trans estão inseridos na pauta. E de acordo com Jacqueline Brasil, ativista transexual e presidenta da ONG Atrevida em Natal, o acesso às informações ainda é precário.

“A maioria das mulheres trans não sabe a diferença entre o silicone líquido e industrial, por exemplo. Com isso, muitas utilizam o produto errado e o próprio corpo começa a jogar para fora e pode aparecer o câncer. Infelizmente, vivemos um momento de crise, onde existem pessoas que negam a nossa existência. A partir do momento que há um governo que cria grupos que destina ódio à nossa população, temos que enfrentar grandes desafios para ter essa inclusão. Muitas pessoas não têm acesso à saúde, inclusive, pela descriminação”, reforça.

O racismo também é motivo para piores quadros de saúde na população negra. Para Valéria Gercina das Neves Carvalho, educadora popular e membro do Grupo de Valorização Negra do Cariri/Grunec, os obstáculos são muitos, mas é possível gerar mudanças.

“Sabemos que o SUS é muito importante, mas até chegarmos ao oncologista, é um caminho muito difícil de se trilhar. Por isso, é preciso mudar o sistema. Que nós, povo negro, indígena e de todas as etnias, tenhamos acesso à informação, humanização no tratamento, acompanhamento psicológico para o paciente e familiares e transporte digno”.

De fato, os caminhos trilhados no sistema de saúde muitas vezes são confusos e longos. No painel Navegação do paciente com câncer, Thiago Xavier Carneiro, professor doutor em Medicina e especialista em Onco-Hematologia, destacou os desafios do não uso da tecnologia.

“Boa parte da assistência no Norte sequer é informatizada. Um dos maiores problemas é a falta de informatização dos dados e integração destas informações”, falou.

A falta de informação é, com certeza, um complicador no que tange o diagnóstico tardio. Na mesa Educação em Saúde – Caminhos para informar e capacitar, Emanuelly Mota Silva Rodrigues, coordenadora da Residência Multiprofissional em Cancerologia e Ensino e Pesquisa do Centro Regional Integrado de Oncologia no Ceará, comentou que saber atender, não significa ser um bom profissional.

“Quando formamos profissionais de saúde, já estamos praticando Saúde. A Oncologia é muito transversal, ela não é da conta só de quem é da área. Eu acredito que ter a obrigatoriedade na faculdade sobre esse tema seria muito benéfico, não só para trazer mais oncologistas ao cenário, mas também para abrir os olhos e ouvidos dos profissionais de outras áreas”.

Para Paola Torres, educação em saúde deve estar relacionada com várias pessoas unidas por um só propósito.

“Uma pessoa com câncer que está lá em Tauá, para ela chegar em Fortaleza, gasta ⅓ do salário, e traz um acompanhante para ajudar, porque às vezes é analfabeta. E aí, o médico não vai atender? Temos que sensibilizar a educação. É um grande desafio formar um profissional com grande amplitude de conhecimento”.

Marianne Fernandes, doutora em Genética e Biologia Molecular e atual coordenadora de Pesquisas Médicas no Hospital Ophir Loyola, também entende a humanização como um ponto alto na educação.

“A formação dos profissionais da área de saúde tem que contar com a humanização. Nosso paciente, às vezes, vem tomando um chá e passando cremes que disseram que vai melhorar e que são da nossa cultura, mas isso pode atrapalhar o tratamento. Então, é preciso informar com cuidado para que ele entenda”, finalizou.

 

Dia 11

O segundo dia do 3º Fórum TJCC Norte e Nordeste começou com um debate essencial, sobre câncer infantil, intitulado Oncologia Pediátrica: do diagnóstico ao pós-tratamento.

Michele Gonçalves, analista de dados em saúde no Instituto Desiderata comentou que, no Brasil, existem 75 centros especializados em câncer infantil, mas a região Norte é a que menos oferece serviços especializados, com menos médicos pediátricos especializados no câncer. Por isso, cerca de 20% dos pacientes buscam outras regiões para realizar o tratamento.

“Analisando os dados de mortalidade do Norte e Nordeste, de 2000 a 2019, percebemos um leve aumento nas taxas. A maior taxa de mortalidade fica na população indígena. Os dados também mostram que 43% dos pacientes entre 15 e 19 anos, e 24,2% de 1 a 14 anos, não foram atendidos em um hospital habilitado em Oncologia Pediátrica”, comentou.

Teresa Fonseca, atual presidente da CONIACC, pontuou que na questão do câncer infantojuvenil, o Ministério da Saúde entende que é uma doença muito aguda, então diante dos sinais e sintomas, que são fortes suspeitas para a possibilidade de um câncer, já faz com que a criança seja encaminhada para uma unidade especializada.

“Essa é a orientação a ser seguida. Alguns fluxos traçam exames primários. Na leucemia, fazemos um hemograma e o paciente tendo uma citopenia, já deve ser encaminhado para a unidade especializada. E é a unidade especializada que saberá quais caminhos seguir. Um outro ponto importante é a biologia molecular, para um diagnóstico preciso. Hoje, não temos essa tecnologia em todos os centros de tratamento. Mas é muito importante discutirmos a respeito. Afinal, quando falamos em um diagnóstico preciso, falamos também de um tratamento qualificado”.

Na mesa Medicina Integrativa pelo bem-estar do paciente oncológico, Ricardo Ghelman, presidente do Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa, comentou que este tipo de serviço reafirma a importância da relação entre paciente e profissional de saúde.

“A Medicina Integrativa é focada na pessoa, em seu todo, e informada por evidências. Faz uso de todas as abordagens terapêuticas adequadas, profissionais e disciplinas para obter o melhor da saúde e do cuidado, encorajando a participação ativa do paciente em todo processo. Como exemplo, posso citar várias plantas medicinais que produziram medicamentos contra o câncer. Temos 1/5 da flora medicinal do mundo, e no SUS apenas cerca de 5 plantas são utilizadas. E precisamos mudar isso! Temos que trazer pesquisa e avançar. Existem várias etapas de implementação no SUS, das práticas integrativas, que é a questão do financiamento e da informação. É preciso fazer todo um caminho, que começa com a educação dos profissionais de saúde e passa também pelo investimento na área. O Movimento TJCC está ajudando, ao dar voz ao tema”, pontuou.

O programa Printar, do Instituto Roda da Vida, também foi pauta neste debate. Paola Torres explicou que o propósito era misturar pacientes e profissionais de saúde, para que o tratamento fosse mais fluído. E para Fátima Holanda, ex-paciente de câncer de mama, a experiência deu muito certo.

“Meu corpo ficava dolorido por conta da radio e quimioterapia. O programa Printar foi muito importante. Eu estava com metástase, com a mente cheia de “porquês”. O curso trouxe equilíbrio para o meu corpo, mente e alma. Foi fundamental para mim”.

As Disparidades regionais e infraestrutura em saúde na Oncologia não poderiam ficar de fora do evento – elas preocupam a todos que fazem parte do sistema.

Nina Melo, coordenadora de pesquisa da Abrale, trouxe dados alarmantes. Na região Nordeste, o câncer é a segunda causa de morte. Recife é a segunda capital com maior percentual de mulheres com excesso de peso (58%), sendo este um fator de risco para diferentes tipos da doença.

Já na região Norte, o câncer é a terceira causa de morte, sendo que Rio Branco é a capital com maior percentual de homens fumantes (17,1%), Porto Velho é a terceira capital com maior percentual de homens com excesso de peso (62,2%) e Manaus com o maior percentual de mulheres com excesso de peso (60,8%).

“Dos centros de saúde habilitados na assistência especializada do câncer, apenas 26% estão nas regiões Norte e Nordeste. Em alguns estados o número de hospitais é insuficiente para atender a quantidade de pacientes diagnosticados com câncer, como é o caso do Ceará, Maranhão, Amazonas e Pará. Outra problemática encontrada no levantamento de dados é a cobertura por quimioterapia, cirurgias e radioterapia, que é insuficiente em ambas as regiões”, falou.

Os desafios enfrentados pelos pacientes que necessitam fazer radioterapia foram abordados por Arthur Rosa, presidente do Conselho Superior da Sociedade Brasileira de Radioterapia.

“O problema de acesso à radioterapia no Brasil está altamente ligado às questões financeiras. Dos serviços oferecidos no país, 37% estão no setor privado, 38% no setor filantrópico e 15% no setor público. Estudos da SBRT projetam que em 2030, cerca de 333 mil casos de câncer precisarão utilizar a radioterapia. E até 2030, 52% das máquinas precisarão ser substituídas, sendo destas, 74% nos hospitais públicos”.

Para Weliton Prado, deputado federal, presidente da 1ª Comissão Especial de Combate ao Câncer no Brasil, os direitos da pessoa com câncer precisam ser garantidos.

“O paciente tem o direito de ter acesso ao diagnóstico precoce, garantido pela Lei dos 30 dias, e o acesso ao tratamento, também garantido pela Lei dos 60 dias. Infelizmente, temos várias leis que não são cumpridas e o CISCAM se quer tem uma atualização. Com a pandemia o número de casos desatualizados só aumentou. Precisamos garantir o cumprimento da legislação brasileira”, afirmou.

Sandro Martins, coordenador da Atenção Especializada do MS, lembrou que os problemas na informação acabam por ajudar no não cumprimento das leis.

“Metade dos pacientes continuam tendo acesso ao tratamento em prazos superiores ao definido pela lei. E também temos um problema com a informação em saúde, além das dificuldades de elaborar políticas públicas, porque usamos dados administrativos para entender os serviços de saúde. A informação sobre o câncer ainda é deficiente”.

No encerramento, Um olhar centrado no paciente foi o tema principal. E não poderia ser diferente.

Andre Tôrres, ex-paciente de leucemia aguda indiferenciada com PH+, falou sobre sua experiência como paciente empoderado.

“A troca de informações com outros pacientes me deu forças, quando recebi a indicação para um transplante de medula óssea. E hoje também me coloco à disposição para passar minhas experiências aos novos diagnosticados, por meio de minhas redes sociais. Eu entendi isso como um propósito, e criei o Projeto Caçadores de Medula”, contou.

Jesuína Damasceno Holanda, à frente da Amajes, criou o São João Rosa, em 2009, para facilitar o acesso a exames na mama, incluindo a mamografia.

“Já são mais de 3.300 mulheres atendidas e 21 casos foram confirmados. Como paciente, entendo a importância desse trabalho. Sei que não é fácil receber um diagnóstico como esse e sei que é essencial ter acesso aos exames preventivos e a uma equipe especializada. O câncer não espera. Temos que empoderar as mulheres”, apresentou.

Thiago Brasileiro, paciente de leucemia mieloide crônica também leva seu conhecimento adiante. “Ao longo do meu diagnóstico e tratamento, eu adquiri muito aprendizado. A partir do momento que entendi meus direitos, buscando informações, passei a ter voz no meu próprio tratamento. Hoje faço parte do Comitê de Paciente da Abrale e levo meu conhecimento e experiência a muitos pacientes de todo o país”.

De fato, os desafios na saúde, especificamente na Oncologia, eram grandes antes da pandemia e continuam agora, durante e após esse momento.

“Nossas políticas públicas precisam contemplar a todas as pessoas, independentemente de gênero, raça e classe social. Sabemos que as soluções não são simples, mas é importante promovermos a colaboração, e envolver a sociedade como um todo. Só assim poderemos, de fato, aprimorarmos as ações de promoção e prevenção. O paciente deve ser o centro do cuidado, sempre”, finalizou Dra. Catherine Moura, CEO da Abrale.

As palestras completas podem ser conferidas em www.forum.tjcc.com.br

 

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