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Especialistas em câncer defendem taxação extra para alimentos ultraprocessados

A discussão da reforma tributária é uma oportunidade para tributar produtos prejudiciais à saúde, como cigarro, álcool e alimentos ultraprocessados, fatores de risco para o câncer e outras doenças. O texto foi aprovado em primeiro turno pela Câmara e está em tramitação no Senado.

Marília Albiero Sobral, coordenadora da ONG ACT Promoção de Saúde, afirma que o preço é um fator determinante para a maioria dos brasileiros na hora de escolher os produtos que irão para a mesa. Com isso, os ultraprocessados, como macarrão instantâneo e salsicha, são mais baratos e acabam ganhando preferência.

A discussão ocorreu nesta quinta-feira (28), último dia do 10º Congresso Todos Juntos Contra o Câncer, realizado em São Paulo.

Estima-se que 33 milhões de brasileiros passem fome, de um total de 125 milhões que estão em situação de insegurança alimentar, de acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil.

Por outro lado, a obesidade ou sobrepeso atinge 56,8%% da população, segundo o Covitel 2023 (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis em Tempos de Pandemia).

“Quando você cruza esses dados, vê que um mesmo indivíduo é alvo de todos esses efeitos. Como isso é possível em um país que é o celeiro do mundo?”, diz Sobral.

A obesidade é uma das consequências do consumo excessivo de produtos de baixo valor nutricional, com altos teores de açúcares. Por outro lado, a doença crônica é considerada fator de risco para pelo menos 13 tipos de câncer, inclusive de mama e próstata, os mais comuns no Brasil.

O Guia Alimentar para a População Brasileira, produzido pelo Ministério da Saúde em 2014, classifica os ingredientes em quatro tipos. In natura ou minimamente processados são os mais recomendados, já que possuem grande valor nutricional. Óleos, gorduras, sal e açúcar devem ser usados em pouca quantidade, apenas para temperar e preparar as refeições.

Alimentos processados, como pão ou queijos, por sua vez, já sofrem alterações relevantes no seu valor nutricional, e devem ser coadjuvantes. Os ultraprocessados, por fim, devem ser evitados

Com o aumento de preços nos mercados, mais gente se vê restringida na hora de escolher entre esses ingredientes. Mas Sobral diz que, enquanto as frutas e verduras nunca foram tão caras, os ultraprocessados não sofreram os mesmos efeitos da inflação.

A especialista vê novas oportunidades na reforma tributária. Além de taxar produtos nocivos, a desoneração pode ser usada para favorecer produtos in natura ou minimamente processados, melhores para a alimentação. Além disso, existe a possibilidade de atrelar os recursos coletados dos impostos seletivos para financiar o sistema de saúde.

Existe, entretanto, a preocupação de que os ingredientes danosos acabem favorecidos, já que muitos estados incluem itens como salsicha, margarina, bolachas e achocolatado na cesta básica. A especialista defende uma revisão da composição das cestas, utilizando o Guia Alimentar como referência obrigatória na elaboração de políticas públicas para a alimentação da população.

Conforme aprovado na Câmara, os produtos sujeitos à tributação extra —que ficou conhecida como “imposto do pecado”— deverão ser definidos em lei complementar. Por isso, Thainá Alves Malhão, tecnologista do Inca (Instituto Nacional do Câncer), reforça a necessidade de uma mobilização constante

Ela ressalta a necessidade de promover educação para a população. Enquanto o tabaco é amplamente conhecido como um produto cancerígeno, 70% dos brasileiros não associam o surgimento de tumores ao consumo de alimentos ultraprocessados, e 60% não reconhecem a bebida alcoólica como fator de risco, afirma.

Simone Kikuchi, nutricionista do grupo NutriOnco, destaca a importância da educação de crianças e adolescentes. “Primeiro, eles têm que mexer na comida mesmo, para saber o que é. Tem que levar na feira, no sacolão”. Segundo ela, o exemplo dos pais também é importante. Fazer melhores escolhas nos mercados e não dar opções abertas de escolhas para os menores também são estratégias para tornar as refeições mais
saudáveis.

Mas, apesar de começar em casa, a alimentação dos pequenos depende do contexto em que eles se inserem e, nesse aspecto, as políticas públicas nacionais têm grande relevância. Hoje, o Pnae (Programa Nacional de Alimentação Escolar) fornece comida de qualidade para 44 milhões de estudantes do sistema público nacional, atingindo principalmente a fatia mais vulnerável da população.

“É referência mundial. Foi bem importante durante a pandemia”, acrescenta Sobral, da ACT.

Para a especialista, também é preciso regular a publicidade e a venda de ultraprocessados nas instituições particulares, por exemplo. “Existe um projeto de lei tramitando há 17 anos para proibir refrigerantes na escola. Você não consegue nem proibir isso”, diz.

Prêmio homenageia fundadora de movimento

No encerramento do evento, foi lançado o prêmio Merula Steagall (1966-2022), fundadora da Abrale (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia).

A honraria reconhece pessoas e projetos impactantes para a atenção e cuidados de pacientes oncológicos. Serão premiadas três categorias: intervenções inovadoras em saúde, experiências transformadoras e ações inspiradoras.

Neste ano, homenagens especiais foram concedidas a Fernando Maluf e Antônio Carlos Buzaid, oncologistas e fundadores do Instituto Vencer o Câncer; aos familiares de Steagall; a Luís Antonio Santini, ex-diretor do Inca, e a Paula Johns, diretora-executiva da Associação de Controle do Tabagismo.

Steagall também idealizou o Movimento Todos Juntos Contra o Câncer. Por mais de uma década se dedicou a promover assistência oncológica ampla e igualitária. Suas ações proporcionaram avanços de acesso ao tratamento e ampliação do conhecimento médico. Vítima de complicações de talassemia, distúrbio com o qual convivia desde os três anos de idade, morreu em 2022, aos 56 anos.

 

Fonte: Folha de S.Paulo

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