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Imagem De Moedas Empilhadas

Incentivos fiscais causam danos à saúde e ao meio ambiente

Todo ano, a União deixa de arrecadar em torno de R$ 300 bilhões, cerca de 20% da arrecadação federal, devido às concessões de incentivos fiscais a empresas e pessoas físicas. Este valor é maior do que os orçamentos federais da educação e da saúde somados. Tais benefícios têm como objetivo proporcionar investimentos privados, estimular o crescimento da economia e diminuir desigualdades regionais.

O outro lado desta conta é que, como a tributação é uma fonte de financiamento estatal, os incentivos diminuem o orçamento das políticas públicas. Além disso, muitos são os entraves para avaliação dos ganhos advindos destes incentivos. A maioria deles não possuem prazos de término ou revisão e se mantêm inquestionados por décadas. Também não sabemos quais empresas estão recebendo incentivos, impossibilitando controle da sociedade sobre estes gastos.

Apesar da falta de transparência, estudos publicados permitem conclusões nada esperançosas: os incentivos causam danos à saúde e ao meio ambiente. Isso pode ser visto nos R$ 4 bilhões concedidos à indústria de refrigerantes, nos R$ 1,7 bilhão destinado aos agrotóxicos ou nos R$ 20 bilhões direcionados à produção de petróleo e gás anualmente. Vale destacar que esses são valores somente da esfera federal e que muitos incentivos são replicados em estados e municípios.

O Repetro (Regime Aduaneiro Especial de Exportação e de Importação de Bens Destinados às Atividades de Pesquisa e de Lavra das Jazidas de Petróleo e de Gás Natural) é um regime de isenção de impostos, abarcando a exportação, importação e produção de bens destinados às atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e de gás natural. O regime teve um aumento de 359,18% entre 2017 e 2019, quando chegou a R$ 28 bilhões em renúncias.

Esses tipos de incentivos alimentam a crise climática e afetam negativamente os esforços brasileiros e mundiais de transição para uma matriz energética limpa, pois encorajam níveis maiores de produção e consumo de combustíveis fósseis, aumentando a lucratividade das empresas do setor; e criam uma dependência na economia do carbono, por meio da geração de emprego e renda e da expansão das cadeias industriais relacionadas ao setor. Isto dificulta o desenvolvimento da energia limpa no país e atrai investidores nacionais e estrangeiros para o setor, aumentando a produção mundial de petróleo e as emissões globais advindas da queima de fósseis.

Responsáveis por mais de 70% das mortes no Brasil e no mundo, as doenças crônicas relacionadas à alimentação podem ser reduzidas pela diminuição do consumo de bebidas adoçadas, como sucos industrializados e refrigerantes. Estudo coordenado pelo IECS (Instituto de Efectividad Clinica y Sanitária) aponta que o SUS gasta quase R$ 3 bilhões ao ano na atenção a pacientes com doenças associadas diretamente ao consumo dessas bebidas.

Apesar desses números, o governo continua subsidiando o consumo de bebidas notoriamente nocivas à saúde em larga escala na sociedade. A principal distorção está na Zona Franca de Manaus: os benefícios concedidos aos fornecedores de insumos para bebidas adoçadas em Manaus totalizaram uma renúncia fiscal de R$ 4 bilhões anuais, segundo a Receita Federal. Existem ainda outros benefícios, como isenções fiscais no ICMS, no Imposto de Importação, abatimento de 75% no IRPJ, crédito de PIS-Cofins. Isso tudo contribui para que o preço final de um suco natural seja mais caro do que uma lata de refrigerante.

A medida comprovadamente eficaz para reduzir o consumo, melhorar a saúde da população e aumentar a arrecadação fiscal é a maior tributação das bebidas adoçadas.

A oferta de benefícios fiscais, no caso dos agrotóxicos, favorece a produção de commodities e o lucro do agronegócio, em detrimento da produção da agricultura familiar. O impacto é expressivo não só em termos financeiros – que beiram R$ 10 bilhões, se somados os benefícios federais e estaduais –, mas também em relação aos custos sociais e ambientais decorrentes do uso de agrotóxicos.

Em 2019, o Brasil deixou de arrecadar mais de R$ 1,7 bilhão em subsídios federais para a compra de agrotóxicos, de acordo com a Receita Federal, sendo R$ 1,4 bilhão de isenção da Cofins e R$ 305 milhões do PIS/Pasep. Como os agrotóxicos são considerados insumos agrícolas, as despesas com eles também têm abatimento integral na declaração de rendimentos do IRPJ e da CSLL. Para além dos incentivos federais, o Convênio 100/1997 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reduz a base do ICMS de agrotóxicos em 60%, é renovado há mais de duas décadas.

Em resumo, não são considerados os impactos dos agrotóxicos à saúde e ao meio ambiente e gera um atraso na expansão e transição para uma agricultura mais ecológica e saudável, tudo para manter o lucro do agronegócio.

No contexto atual de crise fiscal e sanitária é necessário encontrar recursos para financiar gastos sociais e existem oportunidades de redução dos incentivos. Paulo Guedes, ministro da Economia, já defendeu a redução dos incentivos e recentemente propôs que esta redução estivesse atrelada à do Imposto de Renda de pessoa jurídica. A Emenda Constitucional 109/2021 também determina a redução gradual dos incentivos.

Porém, o primeiro passo para uma reforma aberta à escuta da sociedade é exigir do governo federal a transparência na concessão dos incentivos. Neste sentido, está em tramitação na Câmara dos Deputados o PLP 162/2019, que propõe a transparência nos incentivos fiscais para pessoas jurídicas. O projeto passou pelas comissões e está pronto para ser apreciado em plenário.

Só poderemos avaliar criteriosamente onde o Estado deve aplicar seus recursos quando tivermos acesso a esses dados. A informação é fundamental para o debate sobre os rumos dos incentivos fiscais, especialmente na promoção de políticas e setores que promovam a sustentabilidade, a saúde e a segurança alimentar e nutricional.

Fonte: Nexo 

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