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Imagem De Duas Cartelas De Remédios

Estados reclamam de atraso na entrega de remédios de alto custo pelo Ministério da Saúde

Secretarias de saúde de diferentes estados apontam atrasos na entrega de medicamentos de alto custo pelo Ministério da Saúde. A situação tem trazido alerta sobre estoques em volume baixo e já leva também a casos de falta de parte desses produtos.

O problema atinge remédios cuja compra é centralizada pelo ministério e que fazem parte do chamado “componente especializado de assistência farmacêutica”, que envolve tratamentos de doenças como Parkinson, doença renal crônica, Alzheimer, problemas imunológicos, entre outros. Também atinge alguns medicamentos de câncer.

A entrega, porém, tem ocorrido de forma irregular, problema que se agravou no terceiro trimestre deste ano, segundo o Conass, conselho que representa secretarias estaduais de saúde.

Atualmente, o modelo de repasses prevê envios antes de cada trimestre. Segundo o conselho, ao menos nove remédios tiveram entregas recentes fracionadas em mais de metade dos estados. Outros 12 não tinham sido enviados no prazo em nenhuma quantidade. Os dados completos ainda serão consolidados.

Entre os itens mais impactados, segundo análise preliminar do Conass, estão medicamentos como o pramipexol (para Parkinson), sevelâmer (para doença renal crônica), insulina análoga de ação rápida (diabetes), clozapina (esquizofrenia e outros) e sildenafila (esclerose sistêmica).

Questionados pela Folha, ao menos dez estados confirmaram ter itens em falta ou com baixos estoques.

Em São Paulo, por exemplo, casos de atraso ou entregas em volume insuficiente já levam a “risco ou desassistência efetiva” a usuários de 42 medicamentos, segundo a secretaria estadual de saúde.

O número é equivalente a 1/3 do total de 128 remédios do componente especializado e outros oncológicos que deveriam ser fornecidos pelo Ministério da Saúde —há uma outra parte que é de responsabilidade dos estados.

“Sempre há dificuldades, mas agora está mais grave porque são vários itens somados”, diz a coordenadora de assistência farmacêutica de SP, Alexandra Fidêncio.

A situação levou a secretaria a enviar um ofício na última semana ao ministério em que cita “preocupação” com o cenário de desabastecimento.

Uma das maiores preocupações é o dasatinibe, medicamento usado por pessoas com leucemia e em falta desde julho, aponta. Nesta semana, o ministério entregou 6.600 comprimidos do remédio na dosagem de 20 mg — o volume, porém, é suficiente para apenas 14 dias, informa o estado.

O problema se repete em mais locais. Na Paraíba, por exemplo, 17 remédios que deveriam ter sido entregues estão em falta, segundo a secretaria estadual, que diz cobrar regularização.

No Paraná, são 21 medicamentos com pendências de entrega, sendo um em falta e três em “iminência de falta”. Na Bahia, 15 medicamentos estão “em falta ou com risco de falta”, aponta o superintendente de assistência farmacêutica na Bahia, Luiz Henrique d’Utra.

“Deveríamos receber por trimestre, mas muitas vezes recebemos para menos de um mês”, afirma ele, que diz que a situação atual está “entre as mais críticas” em meio a casos recorrentes de problemas em entregas.

Outros estados, como Pará, Santa Catarina, Espírito Santo e o Distrito Federal também confirmaram dificuldades no abastecimento para dois a até 14 itens. Goiás e Roraima também citam problemas e dizem fazer substituições ou remanejamentos.

Alertada por outros pacientes sobre o atraso na entrega do natalizumabe, que usa para tratamento de esclerose múltipla, Mariana Moreira, 30, iniciou em agosto uma peregrinação em busca de alternativas para obter o remédio.

“Por sorte, consegui uma doação. Mas foi um desespero. No hospital, disseram que receberam um lote pequeno e que, se não regularizasse, iam ter que escolher qual paciente tomar”, conta ela, que levou cerca de um mês entre o aviso do alerta e conseguir o tratamento.

Segundo ela, para este mês, o hospital onde faz a infusão do medicamento informou que o abastecimento foi regularizado, mas alertas têm sido frequentes em grupos de pacientes também para outros remédios. “E se um paciente não toma, há risco de progressão e avanço da doença”, afirma ela, que faz parte do grupo Amigos Múltiplos pela Esclerose.

Outras associações também citam preocupação com impactos pelo atraso nas entregas. “Interromper o tratamento é interromper a chance que os pacientes têm de manter a doença controlada”, diz Tiago Cepas, coordenador de políticas públicas da Abrale, que acompanha pacientes com leucemia e tem recebido relatos de pacientes sem o remédio.

Após dificuldade para conseguir o dasatinibe no primeiro semestre, André Gonçalves, 44, chegou a desembolsar R$ 15 mil, em duas compras, para obter duas caixas do remédio, que usa para tratamento de leucemia mielóide crônica.

Segundo ele, parte do valor agora deve ser ressarcido por meio de uma ação judicial que já previa a garantia do fornecimento do medicamento. “Se tiver que pagar sempre, não tem como”, afirma. “E se a pessoa não trata, corre risco de ir a transplante, que é mais caro que o remédio.”

Esse, porém, não foi o único caso que parou na Justiça. Secretarias de saúde apontam que, com os atrasos na entrega pelo Ministério da Saúde, têm crescido os gastos com ações judiciais que obrigam estados e municípios a custearem os medicamentos.

Só no estado de São Paulo, por exemplo, foram R$ 15 milhões gastos em ações judiciais no primeiro semestre por esse motivo, diz a secretaria. Para comparação, em todo o último ano, foram R$ 18,2 milhões.

A reclamação é compartilhada pelos municípios. “Sempre tem algum medicamento que está em falta, mas agora são muitos. E se não há o medicamento, há uma judicialização, o que impacta nos municípios, que acabam pagando mais caro”, diz Geraldo Sobrinho, secretário de São Bernardo do Campo e presidente do Cosems-SP, que reúne gestores municipais.

O tema foi abordado em reunião de secretários de saúde com o governo federal no fim de agosto.

Na ocasião, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que há medicamentos “de competência do ministério e que porventura estão atrasados”. “Vamos trabalhar para que isso seja regularizado.”

Gestores de saúde então pediram que haja maior previsibilidade sobre a situação das entregas.

Questionado sobre o motivo dos atrasos, o ministério não respondeu. Técnicos de estados e municípios, porém, dizem ver indícios de problemas de planejamento, com atraso na organização da compra.

Em nota, o ministério informou que “mesmo com as dificuldades enfrentadas pela pandemia, mantém todos os esforços para garantir o abastecimento de medicamentos ofertados pelo SUS”.

“A pasta esclarece que o atendimento do terceiro trimestre das demandas por medicamentos dos estados é feito de maneira parcelada, considerando a disponibilidade de estoque e de entrega pelas empresas contratadas.”

A reportagem questionou a Saúde sobre as medidas adotadas para regularizar a distribuição, mas não teve resposta.

 

Fonte: Folha de São Paulo

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