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Imagem Do Dr. Carmino Souza No Painel Do 8ºcongresso TJCC

O enfrentamento do câncer no Brasil: ideias e oportunidades – por Dr. Carmino de Souza

Tenho deixado claro em outros artigos que aqui escrevi, minha absoluta preocupação com a evolução do enfrentamento do câncer em nosso país e, certamente em todo o mundo, agravado pela pandemia do SarsCov2. Não temos a dimensão correta de quanto se perdeu nesta trajetória em termos de medidas de rastreamento, diagnóstico precoce e rotineiro, tratamentos quimioterápicos, radioterápicos, cirúrgicos, transplantes etc. Temos, entretanto, a consciência de que são muitos e que, provavelmente, muitos pacientes perderam sua melhor oportunidade de avançar em seu tratamento e, portanto, em sua possibilidade de cura.

Por outro lado, crises geram oportunidades e a possibilidade de pensarmos juntos saídas para o futuro. Todos os anos, e neste ano foi em setembro, tivemos um evento “Todos Juntos Contra o Câncer” onde sociedade organizada, entes federados, conselhos de saúde, universidades, hospitais de referência e de excelência, meios de comunicação, classe política, dentre muitos outros participantes discutiram amplamente o tema.

Neste ano, representei o CONASEMS (Conselho de Secretários Municipais de Saúde) para colocar posições pessoais e institucionais sobre como organizar o futuro da oncologia no País. Minha posição pessoal é que temos três pilares fundamentais para organizar e estabelecer uma política pública adequada, perene e estável para a questão do câncer:

1 – criação e desenvolvimento de um programa nacional de oncologia liderado e desenvolvido pelo Ministério da Saúde, à semelhança de outros programas exitosos já implantados no País. A criação deste programa não afasta ou exclui políticas públicas já implantadas no Brasil como as relações entre MS e seus prestadores de serviço bem como os atuais colegiados que discutem e decidem sobre ações fundamentais ao desenvolvimento da especialidade. Apenas, quero deixar claro que, apenas o MS pode e deve ter uma visão ampla, universal e adequada das diversas diferenças e disparidades na questão do câncer no Brasil. Temos um país muito desigual em muitas coisas e no câncer não é diferente. A revista Pesquisa-Fapesp em 2018 traz informações fundamentais para o entendimento deste tema;

2 – Implantação de “Centros integrados de Câncer”, onde as características monotemáticas da especialidade e o acesso regional pudessem ser desenvolvidos. Nós já temos centros com estas características como o ICESP, o INCA, o Hospital de Amor de Barretos e o Hospital AC Camargo. Porém, pelas dimensões continentais e distâncias imensas entres os vários centros cuidadores, precisamos, dentro de estudos já existentes de necessidades regionais, projetar novos centros integrados que permitam garantir acesso e qualidade de acesso aos pacientes oncológicos.

Tenho em mente que o Brasil necessitaria em torno de 20 centros integrados com as características descritas.

3 – Urgente definição e financiamento de redes hierarquizadas para diagnóstico e tratamento do câncer. Tenho certeza que estes estudos já foram realizados e podem ser implantados em curto espaço de tempo. A organização em rede permitiria que os pacientes pudessem realizar os seus procedimentos o mais próximo de suas casas, mas com orientação e treinamento realizado por um centro de referência. Por que não realizar sua quimioterapia ou cirurgia mais perto de casa?  Em relação à radioterapia, isto é mais complexo pois exigem instalações, equipamentos e pessoal técnico especializado mais difícil de serem “capilarizados”.

Em relação às oportunidades, dentre muitas necessidades, eu enfatizaria quatro que me parecem importantes e urgentes:

1 – No campo da educação, precisamos formar um contingente maior de médicos patologistas para atender à crescente demanda e complexidade do diagnóstico em câncer. A ampliação de vagas, com apoio material e valorização das bolsas para a residência médica nesta especialidade, pode ser feito entre o MEC, entes federados e as instituições que formam estes profissionais. Precisamos ter profissionais cada vez mais bem formados para as demandas técnicas e científicas da especialidade;

2 – Criar no âmbito do SUS a ampliação de realização e financiamento de testes moleculares para o câncer. O desenvolvimento da medicina personalizada e de alvos diagnósticos e terapêuticos conhecidos, tornam a oncologia cada vez mais seletiva, especifica, direcionada e, portanto, com tratamentos mais individualizados e menos tóxicos. Os métodos moleculares permitirão, em muitos casos, um diagnóstico biologicamente mais correto e alvos terapêuticos mais adequados;

3 – Desenvolvimento nos vários estados da federação e em alguns municípios mais complexos e de melhor estrutura, registro de base populacional que permitam o entendimento da epidemiologia do câncer nas várias regiões do País. A importância dos registros de base populacional foi alvo de artigo publicado nesta coluna em 02/08/2021. Os registros hospitalares não são suficientes para o amplo entendimento da epidemiologia do câncer;

4 – Urgente apoio ao tratamento da leucemia mielóide aguda (LMA) através de nosso país. A LMA é uma doença praticamente órfã no Brasil. O acesso dos pacientes é restrito (29% em média) e poucos hospitais admitem estes pacientes ou estão preparados para o seu tratamento. Importante enfatizar que a LMA é uma entidade potencialmente curável. O que vemos no Brasil são resultados humilhantes na condução da LMA com mortalidade inaceitavelmente elevada, exceção feita aos resultados muito positivos obtidos pelo importante consórcio feito entre o Brasil e os EUA (ABHH-ASH) para um tipo particular de LMA denominado leucemia promielocítica (tipo M3 de sete subtipos). É uma doença que precisa ser olhada e cuidada pelas autoridades tanto no âmbito federal como estadual.

Discutir câncer no País é necessário. Devemos ter um projeto de País para esta área da saúde.

É uma das políticas públicas mais urgentes de serem revistas e readequadas. Caso isto não ocorra, provavelmente, seremos atropelados pelas circunstâncias e necessidades.

 

Fonte: Hora Campinas 

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